czwartek, marca 29, 2007

Noturno

A tarde já caíra havia algum tempo. A lua banhava a cidade com seus plácidos raios, como um oceano em noites calmas. Agora ninguém andava nas calçadas: estavam todos recolhidos em suas casas, após o dia agitado que passara. As luzes da cidade começavam a se acender, uma por uma, com as suas lâmpadas amarelinhas, contrastando com o pálido luar que iluminava o céu, as nuvens, as pontas dos altos edifícios. Ao longe, um piano tocava notas calmas, suaves e belas. Era Chopin. Alguém passava em frente à casinha de uma senhora já um tanto quanto velhinha, que lia o romance infantil de Sir James Barrie. Suas expressões e seu olhar alteravam de acordo com cada página, parágrafo, linha, palavra; e, de repente, lágrimas começaram a palpitar sob sua íris iluminada: eram as lembranças da infância que ela por muito tempo guardara escondidas dentro daquele livro maravilhoso. Eram os desejos de voltar à Terra do Nunca, só mais uma vez... Sonhos de meninice que agora retornavam à memória, aos olhos, ao coração.

A grande porta de madeira que permanecera o dia todo fechada, melancólica, ouvia ruídos dentro da casa que protegia. Um rostinho pequeno e muito branco pintou suas cores na janelinha que ficava no meio da porta. Um olhar assustado, estampado naqueles olhos escuros, prestava atenção na rua. Se não fosse ainda muito pequeno, dir-se-ia que era poeta. O garoto contemplou a paisagem de seus finais de tarde, puxou com muita força a pesada porta e, com um gesto rápido, saiu de casa, trazendo a porta para si, a fim de fechá-la. Com o pacotinho debaixo do braço direito, acariciou o gato da senhorinha que ainda se deleitava esperando por Peter Pan. - Se não virasse poeta ao crescer, é porque iria permanecer com cinco anos para sempre. - E seguia seu caminho com o pacotinho apertado ao corpo, após ter deixado o animalzinho para trás.

Foi quando, ao ouvir o som do piano, que ainda vibrava o suave Noturno primeiro de Chopin, mudou o seu rumo, escorregando por ruelas sombrias e estreitas, cujo contraste entre o amarelinho dos postinhos das ruas e o pálido brilho do luar parecia não penetrar. Parou em frente a um edifício frio e escuro de pedra, sentou-se no degrau que havia para separar a porta (também muito grande e ameaçadora) da calçada por onde viera, se apoiou na parede a seu lado esquerdo e ficou a ouvir a música que dali saía, inundando o ar, misturando-se com o sopro do vento e beijando os poucos raios da lua que ali chegavam. O garoto fechou os olhos, com o pacotinho apoiado agora sobre suas pernas. Tirou a boininha que lhe protegia a cabeça do frio e ficou a pensar. Sentiu a música, que conhecia como velha amiga. Ele entendia Chopin e era como se o mesmo acontecesse de maneira oposta. Se não continuasse para sempre criança, seria pianista.

Ali o garoto aguardou por cerca de mais dois atos, alguns erros e acertos e notas de improviso. A música então cessou. Ouviu-se em seu lugar passos de pessoas, muito calmos, uma voz terna masculina, e outra voz, muito falha e idosa respondendo-lhe. A porta se abriu e, onde ela antes se postava, o dono da primeira voz apareceu. O menino olhou para cima, se adiantando para levantar. O moço olhou para baixo e sorriu. Talvez fosse ele próprio Chopin; talvez seu olhar sincero traduzia-se na música que ainda há pouco tocava em seu piano; e, talvez, o sorriso não escondesse a alegria de ver o menino que antes o escutava e compreendia-o apaixonadamente, sentado a sua porta, sentindo os seus desejos, amores e sofrimentos.

Com um gesto desajeitado, o garotinho estendeu o pacotinho que trazia nas mãos, colocando de volta a sua boininha e baixando humildemente os olhos, evitando o olhar daquele por quem sentia compaixão. O outro aceitou o pacotinho, e, numa atitude espontânea, abraçou o menino. Este retribuiu o abraço, enquanto o homem se ajoelhava para ficarem os dois com a mesma altura e para poder apertá-lo mais forte, transmitir mais emoção. No rosto do garoto, algumas lágrimas já escorriam, enquanto que nos olhos do moço, agora fechados, a serenidade se misturava com alegria e calma. Os dois se amavam.

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